O Ministério Público (MP) angolano pediu hoje a condenação entre os 5 e 14 anos de prisão para o ex-ministro angolano e antigo director do extinto GRECIMA, Manuel Rabelais, e para o co-arguido, Hilário dos Santos, por crimes de peculato. Ambos, recorde-se, desempenharam os cargos em governos do MPLA, partido que, aliás, governa o país há 45 anos.
“Pela lei vigente na data dos factos, os arguidos seriam punidos, tendo em conta o montante defraudado, com a penalidade abstracta de 12 a 16 anos de prisão maior, e com o mesmo montante a nova lei prevê uma moldura abstracta de cinco a 14 anos de prisão”, afirmou hoje, Manuel Domingos, magistrado do MP, durante a apresentação das alegações finais.
Durante a apresentação das alegações finais, o MP deu nota que os arguidos devem ser apenas condenados pelos crimes de peculato e branqueamento de capitais, porque o crime de recebimento indevido de vantagens, de que foram anteriormente acusados, foi agora despronunciado.
À luz do novo Código Penal angolano, em vigor desde 11 de Fevereiro passado, disse Manuel Domingos, o crime de violação de normas de execução do plano e orçamento, já acusados e pronunciados, fica sem efeito, ou seja, “está descriminalizado”.
Manuel Rabelais, antigo ministro da Comunicação Social, está arrolado no processo na qualidade de ex-director do extinto Gabinete de Revitalização da Comunicação Institucional e Marketing da Administração (GRECIMA), por actos praticados entre 2016 e 2017. O julgamento tem como co-arguido Hilário Gaspar Santos, seu antigo assistente administrativo no GRECIMA.
Na câmara criminal do Tribunal Supremo (TS) angolano, o Ministério Público sustentou, nas suas alegações finais, que ficou “suficientemente provado” que os arguidos incorreram nos crimes de peculato e de branqueamento de capitais.
Segundo Manuel Domingos, os arguidos defraudaram o Estado angolano em mais de 22,9 mil milhões de kwanzas (30,6 milhões de euros), sendo 4,6 mil milhões de kwanzas (6 milhões de euros) recebidos directamente do Orçamento Geral do Estado (OGE) e 18,3 mil milhões de kwanzas (24,4 milhões de euros) das divisas recebidas do Banco Nacional de Angola (BNA).
O GRECIMA foi criado em maio de 2012, como órgão auxiliar do ex-Presidente angolano, José Eduardo dos Santos, e extinto, em 2017, pelo actual Presidente de Angola, João Lourenço, que enquanto ministro da Defesa de Eduardo dos Santos e vice-presidente do MPLA esteve de acordo com a sua existência e funcionamento.
A instituição tinha contas domiciliadas no Banco de Comércio Indústria (BCI) para onde eram canalizadas grande parte das divisas adquiridas no BNA, e noutros bancos comerciais, nomeadamente o BAI (Banco Angolano de Investimentos), BIC (Banco Internacional de Crédito), SOL e BPC (Banco de Poupança e Crédito).
O MP disse hoje, nas suas alegações finais, que ficou provado que Manuel Rabelais, auxiliado por Hilário Santos, “transformou o GRECIMA em autêntica casa de câmbios, angariando empresas e pessoas singulares para depositarem kwanzas em troca de moeda estrangeira, vendendo divisas ao câmbio superior” do que era praticado pelo BNA.
O co-arguido Hilário Gaspar Santos, disse o magistrado do Ministério Público, era o “angariador das empresas” que comprovam divisas ao GRECIMA.
“Além de angariador de clientes, violando as normas sobre transacções financeiras, o co-arguido Hilário Gaspar Santos depositou 21,6 milhões de kwanzas [29 mil euros] na conta do GRECIMA sem justificar a origem dos fundos, facto que ficou provado documentalmente”, disse Manuel Domingos.
Mesmo depois de extinta, adiantou, os arguidos “beneficiaram de valores” do GRECIMA e “destruíram documentos para não deixar rastos”.
Para o Ministério Público, os argumentos de que os arguidos agiam sob segredo de Estado “não colhe”, pois, realçou o magistrado, segredo de Estado “não implica ausência de documentos da instituição” e nem “transferência de valores em contas de parentes para o pagamento da universidade”.
Os arguidos “eram funcionários públicos, ilegitimamente apropriaram-se de fundos públicos e por isso incorrem em crimes de peculato”, notou.
Quanto à suposta autorização do ex-presidente angolano, o magistrado referiu que José Eduardo dos Santos, em carta dirigida ao TS, disse nada saber das operações do GRECIMA, porque o acompanhamento era feito pelo chefe da Casa de Segurança do Presidente da República.
“Práticas evidentes” de branqueamento de capitais foram igualmente anunciadas pelo Ministério Público angolano no decurso das suas alegações finais, pelo facto dos arguidos agirem “ardilosamente em seu benefício”.
Manuel Domingos considerou como “evidente prática” de branqueamento de capitais a “ostentação do arguido Manuel Rabelais, que no período de um ano, entre 2017 e 2018, fez despesas de 429 mil euros em compra de roupas”. “Também no ano de 2016 registou um imóvel em seu nome na cidade do Porto, em Portugal”, argumentou.
Em resposta às alegações do MP, a defesa de Hilário Gaspar Santos negou todas as acusações imputadas e pediu absolvição do seu cliente referindo que “nenhuma das acusações atribuídas a este ficou provada”.
Segundo o advogado Belchior Catongo, “não há registo nos autos de que Hilário Gaspar Santos seja funcionário público”, afirmando que o mesmo “era apenas um mensageiro e o razoável era qualificá-lo como declarante por não cometer nenhum crime”.
O advogado de Manuel Rabelais, afirmou, nas suas alegações finais, que a acusação e o despacho de pronúncia do Ministério Público estão eivados de argumentos “subjectivos e enfermos de enormes contradições”.
Amaral Gourgel assegurou que nas acções do GRECIMA “não houve cometimento de crimes” e que “não colhe a ideia” de que a instituição era uma casa de câmbios porque “todas as transacções decorriam no circuito bancário”.
Agenda oficial de perseguição selectiva
Também neste caso se confirma a existência de uma agenda oficial de perseguição selectiva. Sabendo-se que o peculato e a corrupção medram no país desde 1975, servindo para tonar o MPLA no partido que deve ser o mais rico do mundo (é dono do Estado), só estão a ser acusados os que eram bestiais e agora são bestas porque, ao contrário de outros, se recusaram a ser tapetes dos novos senhores, também eles ex-tapetes do anterior senhor.
A independência e a justiça (pilares basilares e “sine qua non” não há Estado de Direito), foram substituídas pela vontade exclusiva da nova “ordem superior” que a uns permite terem visto roubar, participarem nos roubos, beneficiarem dos roubos mas não serem ladrões, e a outros não.
Desse prisma, a situação é grave e perigosa e pode levar o povo a chegar às seguintes conclusões, todas elas fornecidas pelo poder instituído, autocrático e a resvalar até para o totalitarismo:
a) O MPLA colocou nas suas listas, segundo o que a Procuradoria Geral da República nos diz, gatunos e corruptos, que lesaram, conscientemente o Estado;
b) Nesse quadro, a vitória do MPLA deveria ser impugnada, por ter sido alcançada ao arrepio da Constituição, da Lei Eleitoral, da Lei dos Partidos Políticos;
c) Declarar-se nulos todos os actos da Comissão Nacional Eleitoral e inconstitucional a homologação de vitória feita pelo Tribunal Constitucional;
d) Criação de uma nova Comissão Eleitoral Independente;
e) Convocação de novas eleições gerais, por as anteriores terem sido, segundo os actos subtis do actual Presidente da República, manipuladas por corruptos e ladrões do erário público (Rabelais dirigia o GRECIMA, órgão do Estado apontado como tendo, descaradamente, beneficiado o candidato do MPLA).
No entanto, o desespero não descarta, com o agravar da permanente humilhação e perseguições por motivações discriminatórias de todos quantos serviram José Eduardo dos Santos, deixando de fora – contudo – muitos outros que igualmente o serviram mas porque têm agora o Poder nas mãos são quem determina quem é, ou foi, ladrão bom e ladrão mau.
É grave espezinhar a Constituição e as leis, na lógica de elas não valerem nada, quando em causa estiver a vontade irascível de um poder usurpado humilhar quem cumpriu ordens e serviu a República, no consulado passado (pelo mesmo partido politico, afinal, uma quadrilha de gatunos e corruptos unidos como todos os dias se torna cada vez mais inequívoco).
É meritório e de se aplaudir o combate contra a corrupção, mas seria de elevada nobreza que todos, a começar pela cúpula do MPLA, pedissem desculpas aos povos angolanos, pela delapidação do erário público, uma vez não haver, entre si, inocentes. Na verdade, em matéria não só política como de lisura civilizacional, se alguns sabendo não se pronunciaram antes, são cúmplices, com iguais responsabilidades.
Muitos (cada vez mais) especulam, verdade ou mentira, que se João Lourenço disputasse eleições internas, no MPLA, nunca as venceria. É, hoje, uma especulação que, contudo, à luz das práticas seguidas tende a ser uma verdade irrefutável.
A indicação/imposição foi uma aposta pessoal e exclusiva de José Eduardo dos Santos. Diz-se estar arrependido com a perseguição aos filhos e a outros membros do MPLA que, aliás, foram tão servis a bajuladores quanto João Lourenço. Outros dizem que a maioria dos dirigentes, mesmo os assumidos “lourencistas” estão contra essa perseguição, ódio e falta de gratidão. Mas, recorde-se, também a estes se aplicará um dia a lei do silêncio cúmplice e da responsabilidade partilhada.
Talvez, nesta fase, ninguém saiba onde está a verdade, mas muitos actos a todos intrigam. Talvez por não se justificarem alguns métodos, considerados inovadores, depois de 38 anos de poder unipessoal de José Eduardo dos Santos. A prática mostra (já não é possível esconder mais, apesar dos megalómanos investimentos na propaganda interna e externa), haver um sentido de revolta e ódio pessoal de João Lourenço contra tudo que respira José Eduardo dos Santos, fazendo-nos ver no actual Presidente do MPLA não um estadista de, pelo menos, mediana estatura moral, ética e intelectual, mas um pigmeu. Só assim se compreende que, numa orgia canibalesca, queira matar o seu criador.
A vingança pessoal, que a maioria – cada vez menos expressiva e solidária com o populismo – desconhece a origem, é perniciosa por, visivelmente, estar também a desestabilizar o país do ponto de vista financeiro e económico, arrasando a credibilidade externa e pouco se importando com a interna.
Institucionalizar uma querela pessoal como método de gestão de Estado é mesquinho, perigoso e até explosivo, num país como Angola, onde a fome tem pressa e, ironia do destino, até ser cidadão, agora ficou caro…
A cidadania custa mais de 80% do salário mínimo, significando, que a maioria dos pobres, não terá personalidade jurídica, tão cedo, logo serão marginalizados pela Constituição. Impor um clima de terror, não é avisado e racional, por levar à indagação geral da figura de Presidente da República ter sido substituída pela de Xerife da República.
Diante deste quadro, que muitos consideram de descaracterização do Estado, será que todos irão continuar mudos, impávidos e serenos? Essa descaracterização, não belisca e machuca a imagem e credibilidade do próprio MPLA e do regime, que lidera há 45 anos?
Folha 8 com Lusa
Nota: François Rabelais foi um escritor, padre e médico francês do Renascimento. Ficou para a posteridade como autor de obras cómicas. Foi precursor da chamada poesia visual, como no poema ” A Divina Garrafa”, texto poético inserido na ilustração de uma garrafa.